sexta-feira, 20 de março de 2020

Crítica: Contágio

Alarmismo e desesperança



Contágio (EUA, 2011), dirigido por Steven Soderbergh (Erin Brochovich - Uma mulher de talento), trabalha com a frustração da desesperança que a população mundial passa a sofrer após a rápida disseminação de um novo tipo de vírus contagioso e letal que os 7 bilhões de habitantes do planeta lutam para não contrair.

De tonalidade alarmista e séria, o filme passa credibilidade com a veracidade imposta pela direção segura de Soderbergh, com seu estilo narrativo inconfundível, à premissa que pode, de fato, acontecer.

O filme possui uma estrutura narrativa frenética e intensa ao traçar um painel futurista sobre uma epidemia mundial. Soderbergh concebeu um filmaço, principalmente, pelo clima de tensão de cada plano-sequência, valorizado pelos acordes nervosos da música-tema que balançam a sensorialidade do espectador.

A estética de Contágio é sofisticada sendo esta uma característica do diretor se valer com apuro técnico os recursos visuais (conforme percebido, por exemplo, nas duas películas arrojadas e biográficas do cineasta Che e sua continuação Che 2 - A guerrilha).

Salta aos olhos a bonita fotografia do longa-metragem em tom mostarda presente em quase toda a projeção.

O tom apocalíptico pulsante do longa-metragem ajuda o cineasta a realizar uma obra que parte de um mote atual contido no roteiro de Scott Z. Burns, e que, em outras mãos menos talentosas receberia um tratamento recheado de clichês e lugares-comuns em razão de sua sua idiossincrasia não ser muito estimulante.

Contágio possui uma nuance fílmica ímpar e realista que o diferencia da maioria de seus similares pós-apocalípticos em função da presença da verossimilhança de sua narrativa que exprime algo plausível e alarmista que bate na tela e esbarra de modo cronológico no tempo real.

Soderbergh utiliza cada tomada de câmera de forma virtuosa e original e com domínio fílmico elabora uma obra tensa, plausível e interessante e reverbera uma catástrofe sanitária com algum didatismo em seu mote que remete à paciente zero/Gwyneth Paltrow ao caos e seu colapso humanitário cuja origem se revela no desfecho.

As interpretações do elenco estelar da produção são um capítulo à parte. Enquanto Matt Damon apresenta sua melhor interpretação desde O desinformante!, de 2009 (do mesmo cineasta), Jude Law (Estrada para perdição) está caricato como um blogueiro oportunista e inescrupuloso. Gwyneth Paltrow (Amantes) mostra um amadurecimento tanto físico, quanto cênico.

A incontestável Kate Winslet (O leitor) mostra vigor em sua interpretação; Marion Cotillard (Meia-noite em Paris) e Laurence Fishburne (Matrix) completam o elenco da produção.

O desespero incontido da população é mostrado com discrição sábia exemplificado em saques a supermercados e violência em geral sendo preciso a intervenção das forças armadas.

O caos montado por Soderbergh, onde a dignidade e valores morais de cada um vem à tona, é um fator de atratibilidade da trama. Esse cenário acentua o nível exemplar de dramaticidade do filme.

O filme é estimulante mesmo com a indigesta desesperança que assombra seus personagens principais e secundários, sacudidos por perdas e em estado psicológico abalado com a possibilidade real de contágio.

O diretor realizou um filme sóbrio que escapa incólume de pequenas burocracias - presente em algumas cenas - que remete ao texto proferido pelas autoridades responsáveis pela cura da doença ao exprimir com êxito uma montagem acelerada.

Contágio é indispensável como produto cinematográfico e como um quadro desolador, cinzento e com ares premonitórios sobre as consequências de uma pandemia global devastadora e carregada de nuvens que sombreiam a existência terrestre, provocada por um novo tipo de vírus, que esbofeteiam o homo sapiens moderno.

Márcio Malheiros França