domingo, 11 de agosto de 2019

Crítica: O professor substituto

Psiques precocemente amargas e cáusticas




O professor substituto (França, 2018), roteirizado e dirigido por Sébastien Marnier (Irrepreensível), versa sobre a união e arrogância de meia-dúzia de alunos superdotados em seus intelectos de uma classe de elite de uma renomada escola primária em uma cidade da França e seu estranho e bizarro modus vivendi e concepção sombria de evidente negação de suas existências refletidos em gritante falta de empatia e carisma entre os seus.

Azedos como a bílis produzida pela vesícula e exalando antagonismo que gera antagonismo, os coprotagonistas juvenis liderados por Apolinne/Luàna Bajrami (Feliz aniversário) e Dimitri/Victor Bonnel (estreante nas telonas) possuem um assustador e tétrico gosto por catástrofes naturais ou criminosas e um repugnante e lúgubre vislumbramento pela necrofilia e tortura humana e animal.

Fechados em um casulo como uma seita macabra e ideologizados politicamente com evidente visão prosaica da humanidade refletida na maneira incomum de conduzir sua rotina, o grupo apresenta interesse nefasto pelo inusitado e o escatológico e se esforça além do suportável física e emocionalmente para alcançar um estado psicológico de gritante impassividade com notória ausência dos sentimentos de medo e dor.

O professor substituto possui uma inclinação para o desconhecido em sua narrativa melancólica que explora imagens que revelam o apego ao trágico de seus elementos impúberes que afetam as suas respectivas psiques, o cotidiano estudantil e seus próprios professores.

Assim como a onda sufocante de crescente calor, o longa-metragem apresenta sucessivas e angustiantes situações com inclinações degradantes de seus protagonistas principais e coadjuvantes que apresentam algo incomum de latente inclinação para o lado obscuro e anormal em suas personalidades exóticas.

O longa-metragem de tonalidades intensamente dramáticas possui idiossincrasia experimental que exprime sua fuga da mesmice e dos padrões cênicos usuais com sua verve sombria de desencanto e desesperança de vários de seus intérpretes que apresentam tendências negativas de autodestruição e alguma imolação em seus psicológicos precocemente espatifados.

Pierre Hoffman/Laurent Laffitte (Elle) o professor que substitui o titular que optou pela tentativa de suicídio precisa sair de sua zona de conforto de sua profissão para ser o ponto de equilíbrio e um luminoso farol de sensatez em um ambiente nocivo e desesperador de protagonistas desregrados e descontrolados.

Há cenas em O professor substituto de puro suspense como as luzes que apagam na residência do protagonista e a aparição fantasmagórica dos líderes do grupo, Apolline e Dimitri, durante à noite, na penumbra do monitor, quando o personagem começa a substituir a razão psicológica pela disfunção em sua personalidade

Comportamento explicitado na sua obsessão pelas cenas fortes e impactantes contidas nos Dvd's dos estudantes que assiste à exaustão e no comportamento algo agressivo no âmbito escolar oposto à sua verdadeira essência.

As misteriosas ligações telefônicas que prefere atender com sons estranhos e o clima excessivamente quente em noites insones minam paulatinamente seu equilíbrio emocional e acentuam seu estado de espírito desequilibrado em função do estranho comportamento de seus alunos.

Assemelhada com A família Adams, a trupe juvenil e seu modo hermético de convivência, como em uma sociedade secreta, de encarar o mundo representa o negativismo em estado bruto das mazelas que o homem provoca na natureza e na falta de harmonia do planeta.

Essa força destrutiva de si próprios faz um paralelo com o possível e verossímil apocalipse provocado pela ganância famigerada por dinheiro e poder e encontra ressonância em diálogos ácidos e na composição de uma música algo tétrica, ainda que dançante, da turma e sua professora da disciplina.

Essa visão pessimista e de extremada ausência de perspectivas que Sébastien Manier joga na telona representa o colapso civilizatório que se traduz em latente e exponencial amargura de seus fotogramas e uma possível hecatombe da natureza tal como se conhece por fatores diversos que convergem para a mesma finalidade ruidosa e depreciativa.

O longa-metragem de origem francesa e do século XXI é o espelho de algumas obras fonográficas de sucesso do Rock tupiniquim oitentista. Tanto musicalmente explicitadas em suas icônicas letras como seus respectivos clipes de divulgação já expunham essa tendência com suas verves contestatórias e algo premonitórias nas faixas: Soldados, da banda brasiliense Legião Urbana, de 1985; Só o fim, da formação baiana Camisa de Vênus, de 1986 e Carta aos missionários, do conjunto carioca Uns e Outros, de 1989.

Provocador, intrigante, contestador O professor substituto aborda o declínio e a degradação da sociedade moderna e apresenta um líder do cenário mundial como uma peça-chave desta engrenagem.

Em completa redoma antissocial, os descontrolados e intrinsecamente rebeldes alunos da classe especial (há uma divisão na própria sala de aula) são um produto atípico e pavoroso da sociedade atual.

Ainda que seu membro mais frágil e visado recue do ato de completa insanidade no desfecho e navegando na contramão dos jovens da atualidade ao não fazerem uso da internet e sem supervisão dos seus progenitores e dos membros da escola, Apolinne e os demais transmitem cáustica arrogância em outrem que evidencia a fuga da obviedade e do comum no texto e na direção de Sébastien Manier.

Pierre de Laurent Laffitte é o elemento que vislumbra o desenrolar do processo de desequilíbrio mental e psicológico de seus alunos e demais integrantes do corpo docente e acadêmico da instituição. Sua psique sofre abalo com a perspectiva de implosão dos adolescentes com seus jogos de resistência e a plausível possibilidade de provocarem o caos com suas personalidades distorcidas e rochosas.

O personagem de Laurent Laffitte de tendência homossexual com atração por um colega de magistério e ex-amante de seu vizinho Steve/Gringe (Inocência roubada) surge como a peça que pretende repor a normalidade do mecanismo difuso no perverso sistema imposto pelos alunos.

Ainda que perca momentaneamente o seu próprio norte e flerte com o sentimento desprezível de prazer de chinelar baratas e notório desleixamento com a salubridade de sua residência, Pierre é a síntese e a antítese dos demais.

Pierre surge como salvador em situações de total catástrofe e, em dado momento, diante do inevitável e sem ter como resolver demonstra resignação com aparente cumplicidade, ao menos no conhecimento, no ato final de desmonte do sistema vigente perpetrado pelas mentes brilhantes entupidas de empáfia.

Sébastien Manier utiliza o recurso da pouca luminosidade para realçar o clima claustrofóbico de sua obra inclusive no clímax no castelo, logo após a cerimônia de formatura dos formandos, onde Pierre apenas com a lanterna de seu celular busca vestígios das crianças.

O professor substituto possui uma singularidade exemplar que inebriaga as emoções do espectador em sua narrativa ambígua e crua e sua ausência de linearidade fílmica evoca um interesse crescente pela cena seguinte, por algo que expresse o inabitual.

Imprevisível, subversivo, instigante O professor substituto aborda de forma incrivelmente original e crível coprotagonistas incomuns que revelam a sordidez da natureza humana quando há falta de controle sem resvalar no maniqueísmo habitual. Suas ações são movidas por angustiadas psiques e representam causa e efeito do ambiente opressor que os rodeia.

O professor substituto é um tratado sobre o apocalipse da Terra ocasionado por agentes tóxicos em sua estrutura antes harmoniosa em função da insensatez humana traduzida em valores e ganhos materiais e do colapso da racionalidade de seus elementos.

Um retrato sombrio da humanidade com intenso potencial de destruição ao seu redor que reflete em tentativa de suicídio coletivo como válvula de escape e perigosa animosidade entre os seus semelhantes.

O professor substituto é um oásis referencial de aberrações ímpares mesmo para o cinema francês ao narrar o cotidiano sombrio de personagens tanto exóticos quanto intrigantes e prolíficos em sentimentos e ações mórbidas. Alarmista e essencial, o filme resvala na distopia sem de fato nela se inserir.

Márcio Malheiros França