domingo, 3 de março de 2019

Crítica: Crimes obscuros

Erro de cálculo


Crimes obscuros (EUA e Polônia, 2016), dirigido por Alexandro Avranas (Miss Violence), trabalha com os bastidores de uma investigação policial de um crime brutal, com uma artimanha que envolve um escritor famoso, papel de Marton Csokas (Noé) e sua namorada Charlotte Gainsbourg (Ninfomaníaca), cada qual com sua motivação pessoal.

Baseado em fatos reais e ambientado na cidade polonesa de Kraków, cinzenta e chuvosa, o longa-metragem se sustenta na narrativa sombria (realçada pela fotografia em tom neutro) e definida que o diretor impõe à obra. O roteiro de Jeremy Block revela-se atraente à medida que o projeção vai se desenrolando em uma obra policial noir paulatina, verossímil, potente.

A obsessão e obstinação de Tadek/Carrey conduz Crimes obscuros a se tornar um filme cult instantâneo por caminho quase que completamente original e conta com uma reviravolta em seu desfecho surpreendente e eficaz, filmada de forma hábil pela câmera de Avranas.

A excelente atuação de seu ator principal (Carrey) e a correta interpretação de sua coadjuvante (Gainsbourg) são um fator de força na apreciabilidade do filme.

Com atuação esmerada, Jim Carrey brilha como um investigador taciturno e introspectivo em sua psique que reverbera uma conduta moral e ética acima da média entre os seus - fator que evidencia seu erro no desfecho impensado de seu personagem -.

Charlotte Gainsbourg ilumina a telona com uma interpretação fechada na pele de Kasia, uma mulher viciada em drogas, lasciva, fatal e de uma enorme sensualidade, ainda que não recorra à maquiagem, tendo, portanto, um atributo recheado de volúpia libidinosa natural.

O ato sexual entre Tadek e Kasia possui uma nuance fílmica relevante para o desenrolar da trama. O desejo carnal que o personagem de Carrey sente por uma potencial suspeita no caso evidencia sua maior fragilidade.

O clube sadomasoquista que origina o mote da trama e os filmetes de cenas do local recentemente fechado que Tadek analisa, além do áudio-livro de Koslow/Csokas que o personagem principal escuta à exaustão, se assemelha à premissa de 8 milímetros, de 1999, com resultado um pouco mais denso que seu similar dos anos 90.

Há em Crimes obscuros muitos closes em Carrey que procura resolver o caso criminal, enquanto cuida da mãe e relega sua esposa ao segundo plano, para ser promovido após ser desqualificado de sua função em virtude de um erro em seu trabalho anterior. 

Tadek será usado durante as investigações por seus superiores e acabará completamente envolvido em sua solução que quase entrará em paranoia profissional.

Gélido, envolvente, nebuloso Crimes obscuros narra a epopeia de um homem focado em sua missão que se vê em um emaranhado de situações exóticas que exercitam sua psique, em detrimento de outros interesses, em busca de solucionar o mistério. 

Esta idiossincrasia prejudicará seu bom faro detetivesco ao ser guiado por pistas falsas, e, ainda, por cair em uma armadilha camuflada de feminilidade.

Tadek se anula por cair em luxúria ao sentir atração física pela pessoa errada e em momento inadequado e por seu inabalável senso de justiça. Um personagem demasiadamente intrigante. 

Como um paladino da verdade, Tadek peca ao ir longe demais sem calcular e aprofundar na análise dos sentimentos ocultos de seus antagonistas. Exemplar ode sobre a traição. 

Crimes obscuros é uma pequena obra-prima sobre o peso da idade de um homem que afeta a todos ao seu redor, e, inclusive, a si mesmo.

Márcio Malheiros França