terça-feira, 9 de julho de 2019

Crítica: A estranha perfeita

Personalidades pérfidas e amorais





A estranha perfeita (EUA, 2007), dirigido por James Foley (Quem é essa garota?), trabalha com dissimulações e engenharia mental de um personagem em criar condições para executar, forjar seu álibi e encontrar o bode expiatório ideal para um assassinato cujo plano teórico concebido e seu mecanismo prático beiram o sublime.

O mistério sobre a identidade do(a) criminoso(a) vai sendo costurado de forma exemplar por James Foley que coloca a jornalista investigativa Rowena Price/Halle Berry (Coisas que perdemos pelo caminho) a protagonista principal e seu principal coadjuvante, Miles Haley/Giovanni Ribisi (Cold Mountain), em claro procedimento investigatório cujo alvo é o empresário Harrison Hill/Bruce Willis (Duro de matar).

A estranha perfeita evidencia seu carisma em criar uma atmosfera que retrata um interesse crescente por seu desfecho, pela identidade do culpado. Apoiado em ótimo roteiro de Todd Komarnick (Sully - O herói do rio Hudson) o diretor realizou uma pequena obra-prima sobre a falta de escrúpulos e a perversidade humana em estado bruto quando o sentimento de vingança e a consequente necessidade de salvar a própria pele das garras da lei se consolidam em suas personalidades maquiavélicas.

Com inspiração nos clássicos suspenses de outrora e no cinema noir, A estranha perfeita é uma máquina de personalidades psicológicas típicas de um sistema perverso de sentimentos no qual ninguém é pobre pecador expiando seus pecados. O sentimento indigesto e impiedoso da traição fica notório em cada gesto e ação de seus protagonistas e coadjuvantes. Universo de lei da selva em que mesmo amizades aparentemente sólidas e com a mesma ideologia são desfeitas em prol da sobrevivência.

Arrojado, intrigante, sólido A estranha perfeita aborda de forma original a engrenagem do mistério que envolve um crime sem resvalar no maniqueísmo habitual e escancara a singularidade de protagonistas que possuem algo a esconder e sempre com algo a perder que bate na tela revelando a essência sórdida de seus integrantes e suas plausíveis subsequentes motivações para as insanidades perigosas que se chocam com os interesses de outrem parecido em sua psique inescrupulosa e deformada.

James Foley filma ângulos e enquadramentos ímpares - evidenciado em seu prefácio e clímax - e alcança êxito ao lidar com as idiossincrasias da trama recheada de personagens tanto inteligentes quanto pérfidos e sem remorsos em suas ações. O mote de A estranha perfeita coloca os atores em confronto psicológico e por vezes físico no qual o calcanhar de Aquiles de um é investigado e pisoteado por outro.

Desde o pervertido sexual passando pelo assediador de mulheres compulsivo até a ninfomaníaca cujo assassinato move a trama revelam as profundezas lamacentas das psiques de seus personagens centrais A estranha perfeita vai sendo costurado de forma inequívoca e com intenso domínio fílmico em sua narrativa definida e oferece ao espectador uma brilhante interpretação de Halle Berry sua protagonista principal.

James Foley possui boa condução de seus atores e filma as reviravoltas da trama com maestria, de forma linear e sem atropelos e exibe sua técnica com trechos de frases-chave no clímax. Ainda que o desfecho explicite alguma celeridade no formato sua solução final é verossímil e satisfatória.

Como um emocionante e clássico jogo de tabuleiro, o longa-metragem narra uma intrincada trama de suspense psicológico e dedução recheada de pistas falsas subversivas e vislumbra o crime perfeito para ajustar as peças de sua engrenagem no desfecho.

A estranha perfeita usa fragmentos de flashbacks como recurso fílmico para adensar sua verve detetivesca e no desenlace como demonstração da motivação do ato criminoso e mostra o ônus da subestimação da capacidade de dedução instintiva e intuitiva do seu interlocutor.

Estiloso, imprevisível, atraente A estranha perfeita aborda manipulações rasteiras em psiques distorcidas na infância e gritante indução ao erro judiciário de seu elo mais frágil e visado. Um painel realista e amargo sobre a amoralidade e a falta de ética presentes no psicológico de seus elementos.

A estranha perfeita funciona como síntese do colapso do ideal civilizatório do homo sapiens e provoca o embate de artimanhas entre semelhantes.

Márcio Malheiros França

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