terça-feira, 2 de julho de 2019

Crítica: Casal improvável

Acasos do Cupido





Casal improvável (EUA, 2019), dirigido por Jonathan Levine (Os caça-noivas), trabalha com as antagônicas diferenças de cunho social, comportamental e física que tenderiam a distanciar os protagonistas principais Freddy Flarsky/Seth Rogen (Minha mãe é uma viagem) e Charlotte Field/Charlize Theron (Atômica). Em efeito reverso, a obra tece e solidifica sua aproximação e consolidação.

Comédia de costumes, Casal improvável possui o estilo típico de algumas produções estreladas por Seth Rogen com elementos como o humor tosco mas inteligente em seus diálogos primorosos e por vezes ferinos que revelam certa verborragia, alguma escatologia e duração esticada. Bem-alinhavado em suas idiossincrasias fílmicas, o longa-metragem evidencia e se beneficia de sua real vocação de ser um besteirol costurado com tutano.

Seth Rogen estrelou o filme que inaugurou o filão, Ligeiramente grávidos, de 2007, e se vislumbra em Casal improvável a mesma verve narrativa e a naturalização e afirmação de um subgênero o da comédia romântica desglamourizada, que aborda situações corriqueiras com seus personagens com conflitos reais em situações facilmente identificáveis no dia a dia dos espectadores. Não há aqui a tentativa de desconectar do cotidiano tanto personagens como suas respectivas emoções e psiques.

As cenas de sexo implícito entre Freddy Flarsky e Charlotte Field reafirmam a intenção de Jonathan Levine e de seus dois principais intérpretes e produtores do processo fílmico de tornar seus personagens factíveis com a humanidade e seus dilemas morais, éticos, sexuais. Recurso cênico arrojado e explicitado, por exemplo, nas fantasias eróticas da coprotagonista que embaralham o raciocínio lógico de seu parceiro.

O longa-metragem procura a desconstrução de um imaginário popular onde mesmo uma mulher de status profissional elevado - Charlotte Field é secretária de estado do governo norte-americano - sente e fantasia os mesmos desejos libidinosos que uma cidadã comum.

Em momento antológico onde depois de sofrer um atentado, Charlotte Field busca, na companhia de Freddy Flarsky, a fuga de sua rotina e de seu psicológico rígido e compromissado com a carreira em uma noitada na boate e depois estendida para seu quarto regada à álcool e entorpecentes. Prudentemente disfarçados, assim como seus seguranças.

Como em toda situação onde a inexperiência e o ineditismo do fato prevalece, a situação transborda para o inevitável e excessivo uso de seus elementos dispersivos da racionalidade e respinga no senso de responsabilidade da personagem quando esta precisa negociar, como osso do ofício, com um sequestrador estrangeiro ainda inebriada. Cena-sequência hilariante e impagável que funciona como síntese da obra.

Cômico e romântico na medida certa, Casal improvável aborda, em dado momento, o distanciamento por motivos profissionais da dupla que gera sofrimento e angústia em ambos e evidencia o que estava invisível para a protagonista e seu par: a saudade da companhia do outro que desperta em ambos a pulsão de vida e o amor que a ausência provoca e acentua.

Criativo, ímpar, diferenciado Casal improvável se beneficia de certa originalidade e interesse crescente e trabalha com o sonho e ideologia que advém da infância no planejamento almejado da trajetória de Charlotte Field e que mesmo sob pressão de chantagens e demais adversidades resiste devido e sobretudo à presença de seu par romântico.

A personagem de Seth Rogen abala a estrutura psicológica de Charlotte Field com tamanha intensidade com sua personalidade oposta mas semelhante na índole que exprime e reflete o conceito dos dois pólos dicotômicos que se completam e se fortalecem.

Seth Rogen e Charlize Theron atuam de forma espontânea e souberam captar o ritmo do longa-metragem e o peso de seus respectivos papéis. Freddy Flarsky rude, bronco, sincero se adaptou bem ao refinamento, polidez, idealismo de sua interlocutora e vice-versa.

O casal apaixonado encontra em sua união a razão de sua existência. O acaso do Cupido contraria todos prognósticos contrários ao seu enlace e toda improbabilidade da empreitada não ser exitosa.

Márcio Malheiros França

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