domingo, 28 de fevereiro de 2021

Crítica: Os novos mutantes

Psiques acorrentadas aos seus traumas e anomalias paranormais



Os novos mutantes (EUA, 2020), dirigido por Josh Boone (A culpa é das estrelas), trabalha com o surrealismo e o fantástico ao abordar a prerrogativa de cinco X-men adolescentes em fase de aprendizagem e domínio de seus poderes paranormais e aborda seus cotidianos em uma clínica supostamente de aprimoramento de suas habilidades extra sensoriais.

Há em Os novos mutantes uma economia de fotogramas para uma versão de super-heróis aliada ao gênero ação que destoa dos demais.

Sua narrativa bebe na fonte de diversas produções clássicas: como o drama juvenil e existencial de John Hughes, O clube dos cinco, de 1995; o psicodelismo sensorial aliado ao surrealismo e escapismo da realidade de Sucker Punch - mundo surreal, de Zack Snyder, produção de 2011 e ao frescor de obras de terror psicológico onde o trauma e o medo que deles se advêm se materializam e surgem em formas concretas como a trilogia Às vezes eles voltam, com o original dirigido por Tom McLoughlin em1991.

A motivação real do confinamento/aprisionamento da trupe se revela um mistério em que a personagem Danielle Moonstar de Blu Hunt (Outra vida) surge como o elo e, mesmo, como objeto catalítico de sua revelação algo indesejada mas redentora para a trupe não sem algum sofrimento em suas psiques em formação.

A trama que abre e fecha com narração em off de sua personagem principal possui nuances definidas de suspense psicológico na qual cada elemento precisará lidar com seus fantasmas pessoais para finalmente almejar sua liberdade física do hospital

Bem como - e mais importante - a desconstrução de suas limitações sociais decorrentes de eventos traumáticos oriundos de seus sentimentos de culpa presentes em suas essências psicológicas.

Os novos mutantes possui personagens que passam ao largo da doença mental - ainda que apresentem psiques atormentadas demais para suas impúberes existências em razão de suas anomalias - mesmo em ambiente que exala essa impressão com suas terapias em grupo e o constante monitoramento de seus integrantes.

A personagem Illyana Rasputin de Anya Taylor-Joy (Vidro) se revela a menos afetada e mais segura do quinteto destoando dos demais com sua personalidade forte que exprime ausência de emoções baratas e carência do essencial sentimento de remorso em suas ações.

Danielle Moonstar da promissora Blu Hunt abre a trama do longa-metragem em uma sequência cênica chave com sua característica paranormal que se revela seu temor e sua força quando controlado que permeará toda a narrativa da obra.

Sua presença afeta positivamente Rahne Sinclair de Maisie Williams (Cyberbully) que o elo entre as duas se encaminha para uma singela atração física homo afetiva que supera a beleza da ingênua amizade que une ambas personagens.

Sua chegada na clínica provocará o início da catarse conflituosa e redentora para os demais integrantes do quinteto de heróis renegados do convívio social e familiar em evidente processo de gestação, solidificação e consolidação como tal e o subsequente conformismo como missão existencial.

Danielle Moonstar surge como o elemento essencial da aceitação da paranormalidade dos colegas e a subsequente superação de seus dilemáticos fantasmas pessoais por meio da fundamental colaboração e união de coletiva com interesses em comum. 

Seu psicodelismo sensorial coloca sobre a mesa a verdadeira intenção da empresa Essex em manter os jovens em confinamento e reverbera a perfídia escondida na suposta médica e monitora dos mesmos, Dr. Reyes, de Alice Braga (Eu sou a lenda). 

Os novos mutantes apresenta a fórmula plausível ainda que batida na qual a psique de seus elementos precisará piorar para se estabilizar e se afirmar.

Ainda que a obra se ressinta da notória originalidade que permeia toda a sua projeção, Os novos mutantes bate na tela com algum brilho em sua idiossincrasia de um universo mágico e fantástico que se assemelha, ainda, à franquia Fantasia, iniciada por Wolfgang Peterson em 1985. Há algum charme no liquidificador de gêneros da produção. 

O escapismo da realidade de alguns protagonistas e os ecos do passado de todos os protagonistas da trama se materializam e tornam a produção semelhante a filmes de terror psicológico gerando uma obra sombria, surrealista, psicológica.

Os personagens apresentam um devastador e corrosivo sentimento de culpa - com exceção de Illyana Rasputin - e sentem o peso cáustico da ausência do convívio social os quais terão que aprender a lidar doravante.

Como Prometheu acorrentado da mitologia grega, os mutantes metafísicos precisam desde cedo aprender a superar seus traumas, erros e medos provenientes de seus poderes sobrenaturais e acalmar o âmago de suas existências como forma de redenção e sobrevivência.

Márcio Malheiros França


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